Gravidez indesejada: temos que falar sobre isso!

Olá pessoas, hoje vamos falar sobre a gravidez indesejada e a tentativa de aborto com o foco nas mulheres usuárias do SUS (Sistema Único de Saúde). Não é novidade que esse tema é muito discutido, principalmente quando se tem moral e religião x saúde pública.

Sabemos que muitas pessoas são contra o aborto pelos mais diversos motivos, entre eles o que mais se destaca é o moral religiosa, onde parte-se do preceito de existir vida a partir da concepção, sendo então proibida a retirada do feto, pois esta iria causar a morte de um indivíduo, o que vai contra o moral religioso empregado. Quando olhamos o debate somente sob a ótica da religião, a compreensão da magnitude da questão pode ser comprometida.

Diante da realidade onde sabemos que mulheres que querem abortar muito provavelmente irão abortar, ou no mínimo irão tentar abortar, o aborto inseguro representa um enigma para a saúde pública, além de ser um problema negligenciado na saúde reprodutiva e sexual.

No Brasil a mortalidade materna por aborto corresponde à 11,4%, além disso a Pesquisa Nacional de Aborto, realizada em 2010, revelou que uma a cada cinco mulheres, entre 18 e 39 anos, já realizou um aborto no Brasil, onde metade delas ocorreu no SUS e foram internada por complicações relacionadas. De forma grosseira, isso significa que a cada cinco mulheres que existam na sua casa, ao menos um já fez um aborto sem que ninguém saiba.

Engravidou então agora cuide!

Quantas vezes ouvimos ou repetimos esse discurso, achando que a maior culpada pela gravidez é a mulher?

Não podemos esquecer que quem vive a situação de uma gravidez indesejada ou não planejada, sente-se pressionada socialmente, vivencia conflito moral tendendo à dificuldade da tomada de decisão, além de oposição de interesses internos que irão refletir na vida da mulher, é o famoso:

"Eu sou jovem, não sou independente financeiramente, não  terminei os estudos, não estou bem com o pai da criança, mas se eu abortar irei tirar a vida de um inocente, todos irão me condenar".

Mas o aborto é permitido em 3 casos no Brasil!


Atualmente, o aborto permanece sendo uma prática de forte caráter clandestino, mesmo em circunstâncias em que sua realização é reconhecida legalmente, por isso afeta gravemente a saúde física e mental das mulheres.

Para aqueles que acham que as palavras acima são bobagens, leia esses links:
Exigências fora da lei dificultam acesso a aborto após estupro, diz pesquisa e

Aborto legal – um direito negligenciado


Se não quer a criança dê para alguém!



Geralmente, mulheres que não tem companheiro ou aquelas sem apoio familiar estão mais propensas a realizar o aborto, a presença e o apoio do parceiro é fundamental para a aceitação da gravidez.

"Quando eu descobri a gravidez, fiquei desesperada,
porque não estava mais com o pai da criança".

Estela*, 20 anos, 1ª gestação, não tem companheiro


"Aí eu me vi grávida, de novo, e ah, foi desesperador,
fiquei desesperada mesmo."
Regina*, 18 anos, 2ª gestação, vive com o companheiro

Existe uma relação direta entre a origem da gravidez, as condições sociais, legais e econômicas para a tomada da decisão. O desespero de uma mulher grávida, muitas vezes sem um parceiro estável, é o divisor de águas para iniciar algo novo em sua vida, no caso, uma nova vida com seu bebê.

A escolha entre o destino determinado em ser mãe solteira  pode levar à rejeição social, principalmente pelos pais e familiares, além da rejeição de novos parceiros, afinal, quem nunca ouviu a frase "Você é louco, ela já vem com pacote completo!".

Essa rejeição causa sofrimento, conflitos traumáticos, incompreensões e punições, fazendo com que a mulher sinta-se extremamente só na experiência difícil e desconhecida da gravidez.

A aceitação da gravidez não planejada por parte dos casais que vivem em união estável apresenta menos conflito. Mulheres que se deparam com a gravidez não planejada e sem o parceiro, acabam tendo mais responsabilidade e acabam sofrendo com a grande força moral imposta pela sociedade ou pelos familiares que ela tem no seu convívio.

Por isso, mulheres que vivem um relacionamento estável têm maiores possibilidade de receber apoio do parceiro no sentido de transformar a gravidez indesejada em um fato agradável, descartando a hipótese do aborto.

"Aí o mais difícil foi chegar em casa e contar pro homem né? Depois foi passando uns tempos a gente já foi se conformando né? Com a gravidez dos dois. Aí foi mais tranquilo depois"
Joice*, 31 anos, 2ª gestação, vive com o companheiro.

"Fiquei assustada, porém abençoei minha filha desde já, tanto eu quanto o pai dela."
Maria*, 24 anos, 1ª gestação, vive com o companheiro.

Existe métodos anticoncepcionais, engravida porque quer!


Dados do Ministério da Saúde apontaram que mais de 50% das mulheres que abortam entre 20 e 29 anos das regiões Sul e Sudeste brasileiras declararam o uso de métodos contraceptivos, em particular a pílula anticoncepcional. Uma sugestão é a utilização irregular ou equivocada dos métodos contraceptivos.

Apesar do conhecimento da existência de métodos contraceptivos e da eficiência do mesmo, há a possível indisponibilidade de informações seguras para as mulheres, que acabam fazendo uso inadequado do mesmo. Como consequência há a falha dos métodos de anticoncepção convencionais (pílula anticoncepcional, camisinha) causando assim uma maior possibilidade para uma gravidez não desejada.

Muitas mulheres não tem a informação de que antibióticos cortam o efeito da pílula anticoncepcional, muitas acabam engravidando nesse período em que tomam antibióticos e a pílula anticoncepcional acreditando que estão protegidas. Outras são enganadas pelos companheiros, que tiram a camisinha no meio do ato sexual, simplesmente por incomodar.

Muitas mulheres e homens, acreditam que a pílula do dia seguinte é abortiva, quando não é, ela é somente uma dose maior de hormônio, que tem probabilidade de funcionar em até 72 horas após o ato sexual. Por essa crença, muitas mulheres não tomam a pílula logo após a relação, com medo de estar comprando um remédio abortivo e ser descoberta.

Muitas mulheres e homens não percebem quando a camisinha furou, tendo assim a possibilidade de uma gravidez indesejada.

O desejo da mulher pela gravidez não é produzido individualmente por ela, mas construído no interior de relações afetivo-sexuais e familiares.


Há a correlação entre maior escolaridade + maior renda familiar mensal média = maior probabilidade de desejar uma gravidez, enquanto que menor escolaridade + menor renda familiar mensal média = maior probabilidade de questionar o aborto. Além da questão escolaridade e renda familiar, outro fator que influencia negativamente a reação da mulher diante de uma gravidez é já ter um filho.

"Foi uma tristeza entendeu? Eu não esperava a gravidez, já tenho duas meninas, então, não esperava o terceiro"
Margarete*, 22 anos, 3ª gestação, não tem companheiro.

"Eu só saí chorando daqui porque eu não queria mais filho. Eu só queria a minha primeira, e eu tenho mais uma menina de 7 anos. Aí eu não queria mais uma"
Márcia*, 27 anos, 3ª gestação, não tem companheiro.

Não estava bom quando virou o 'zoinho'? Então, agora cuide!

O aborto está relacionado aos cuidados em saúde e aos direitos humanos, e não como um ato de infração moral de mulheres levianas. Um documento editado pelo Ministério da Saúde aponta que o aborto é praticado predominantemente por mulheres entre 20 e 29 anos, em união estável, com até oito anos de estudo, trabalhadoras, católicas, com pelo menos um filho e usuárias de método contraceptivo, as quais abortam utilizando misoprostol. No entanto, um estudo em cindo capitais brasileiras, mostrou que o primeiro aborto ocorre predominantemente (51%) até os 19 anos, sem religião, pardas ou pretas e predominantemente tinham namorados ou companheiros.

Em 2008, nos Estados Unidos, foram expostas pela American Psychological Association (APA), os principais motivos que levam a mulher optar pelo aborto:
  • não se sentir pronta para cuidar de uma criança (ou outra criança);
  • incapacidade financeira para cuidar de uma criança;
  • desejo de evitar criar sozinha uma criança;
  • problemas com o parceiro (pai da criança);
  • sentir-se muito jovem ou imatura;
  • coerção de outros;
  • gravidez indesejada;
  • presença de anomalias fetal ou risco para a saúde da própria mãe.
"Isso foi numa sexta, no sábado eu fui e comprei a tal pílula do dia seguinte. Aí tomei, esperei né? Três dias e a menstruação não descia. Aí, menina, oh, foi três meses tomando remédio. Fui tomando um monte de remédio e nada, nada, nada, e escondendo o tempo todo da minha mãe. Tentar eu tentei né? Mas ela veio mesmo assim"
Marta*, 25 anos, 2ª gestação, não tem companheiro.


Algumas pessoas acreditam que o aborto é aceitável em alguns casos como: falta de condições para criar a criança, falta de alguém que assuma a criança em meio familiar, amigos, vizinhos.

Grande parte das mulher que abortam fizeram uso de contraceptivo. Quando uma mulher toma a decisão de abortar, essa decisão vai muito mais além de egoísmo, muitas vezes está relacionada com o psicológico da mulher. As tentativas de aborto encontra certo auxílio social, já que muitas recomendações são compartilhadas por pessoas próximas que indicam o que é "bom" para fazer o aborto.

Não podemos esquecer que as tentativas de aborto de uma gravidez indesejada ocorrem em situações de extrema vulnerabilidade, tais como desemprego, baixa escolaridade, falta de perspectiva de vida digna e pobreza.

Muitos teóricos afirmam que o aborto é uma experiência traumática para a mulher, jamais uma alegria, resultando em remorso, consciência pesada, arrependimento, sensação de perda e reações emocionais negativas, afirmando que se a mulher mantiver a gravidez ela passará a amar a criança.

"-Aí eu não queria mais ela, mas infelizmente veio né? Aprontei horrores. Tudo que você imaginar pra tirar ela eu fiz.
-Sério? E ela resistiu então?
- Resistiu e veio.
- E como é hoje, quando você olha pra ela e lembra tudo isso? Alguma coisa mudou aí ?
- Não!"

Renata*, 34 anos, 3ª gestação, não possui companheiro.

Como podemos minimizar essa situação?


Possivelmente com educação sexual e reprodutiva no espaço escolar em ambiente propício para a formação individual e coletiva, possibilitando a passagem de informações sobre as responsabilidades que envolvem a sexualidade, métodos contraceptivos e uso correto do mesmo, aborto e doenças sexualmente transmissíveis.

Uma educação sexual onde mostra-se para os jovens que a responsabilidade de uma gravidez indesejada é de ambos e não somente da mulher possivelmente ajudaria a diminuir os casos de crianças que nascem sem pai, ou até mesmo, diminuir as possíveis escolhas de aborto.

Fica apenas o questionamento: quando a política brasileira vai aceitar que aborto é caso de saúde pública que deve ser melhor discutido e deixar de lado a influência da religião sobre o tema?

*nomes alterados para segurança das mulheres envolvidas.

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